PIU Setor Central vai para votação na Câmara: O que está em Jogo?
Por Simone Gatti e Guido Otero (representantes do IABsp na Comissão Executiva da Operação Urbana Centro)
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O Projeto de Lei do PIU Setor Central foi encaminhado no dia 10 de Novembro à Câmara Municipal para votação, antes mesmo de ser realizada a última audiência pública devolutiva, acordada com o Ministério Público, e antes do projeto ser apresentado à Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, que será substituída por novo conselho instaurado no respectivo PIU. Após recomendação do MP, a prefeitura agendou a Audiência Pública Devolutiva Final para o dia 15 de dezembro.
Considerando a importância desse debate, agora no âmbito do legislativo, gostaríamos de trazer para reflexão alguns dos principais pontos do projeto. De forma geral, o PL incorpora muitos dos instrumentos presentes no Plano Diretor Estratégico e no Zoneamento da Cidade. Se traz avanços em alguns pontos, entendemos que em outros traz riscos para o desenvolvimento democrático e equitativo da cidade.
Importante dizer que três dos pontos solicitados por movimentos de moradia e pelo IABsp foram considerados pelo executivo na nova redação do PL, o que consideramos um avanço significativo. São eles:
1. Foi ampliada a reserva de 30% para 40% dos recursos arrecadados com a outorga onerosa para a produção de HIS, que serão destinados para projetos públicos às famílias com renda até 2 salários mínimos, ou seja, dando prioridade para os que não conseguem acessar os financiamentos habitacionais tradicionais e dependem de subsídios públicos.
2. Foi retirado o desconto regressivo da outorga onerosa para o mercado imobiliário, previsto na propostas anteriores do PIU, o que extingue imediatamente, após aprovação do PIU, a gratuidade de outorga existente na atual lei da Operação Urbana Centro para qualquer empreendimento residencial, até o coeficiente de aproveitamento 6.
3. Foi indicada a criação de mecanismos de controle para a comercialização dos empreendimentos de HIS, com a inserção da obrigatoriedade de indicação da demanda pelo poder público para HIS 1 nas habitações produzidas pelo PIU (medida legal que havia sido flexibilizada por decretos anteriores da Secretaria de Habitação). Mas há desafios significativos para o controle desse procedimento que ainda precisam ser construídos pela gestão municipal.
Apesar dos importantes avanços listados acima, alguns pontos ainda são bastante problemáticos no PL e merecem atenção:
1. O perímetro do PIU é imenso e diverso, são mais de 2.000 ha, o que dificulta muito a legibilidade das propostas e sobretudo o monitoramento e a governança da intervenção, principalmente por incluir no seu perímetro dezenas de projetos estratégicos e projetos especiais com sistemas de controle e participação próprios. A sua dimensão e abrangência diluem as necessidades específicas da região central em um vasto território no qual demandas e projetos perdem nitidez. Somado a isso o PL propõe que a maioria dos projetos sejam realizados por meio de chamamentos atrelados à iniciativa privada, pulverizando as soluções e terceirizado parte da gestão.
2. O projeto proposto não avança nas demandas específicas do centro, sobretudo no combate às desigualdades e apoio a populações mais vulneráveis. O PL menciona as diferentes situações de vulnerabilidade habitacional, mas todas as estratégias de transformação do território estão baseadas no incentivo ao mercado imobiliário para a produção imobiliária de novas unidades, não considerando mecanismos e recursos específicos para pontos essenciais como os cortiços existentes na área central, regularização de ocupações, a população em situação de rua e o comércio informal. Acreditamos que um PIU no centro da cidade desta envergadura deveria ser incisivo em propor soluções para estas questões.
3. Áreas públicas do perímetro do PIU, sobretudo do chamado Apoio Urbano Sul, serão transferidas para a iniciativa privada, preferencialmente por meio de PPPs. Verificamos, assim como em outros equipamentos esportivos da cidade, a entrega de grandes glebas para a produção de shopping centers no lugar de equipamentos públicos de lazer e esporte ou habitação de interesse social. Essas áreas públicas, bem localizadas e estratégicas para a provisão de serviços, não deveriam ser reservadas exclusivamente para o interesse coletivo, principalmente considerando as demandas da região central? A entrega de terras públicas mina a possibilidade de produção de habitação de interesse social para as populações mais vulneráveis em terrenos bem localizados ou a construção de equipamentos públicos fundamentais para o atendimento da população de uma metrópole da magnitude de São Paulo.
4. A prefeitura está apostando em um novo instrumento para a produção de HIS: os chamados Bônus Equivalente. Por se tratar de um instrumento novo é difícil prever com exatidão tanto o nível de adesão do mercado ao instrumento quanto a sua eficácia. Mas podemos adiantar que trata-se de um mecanismo de entrega da produção de HIS ao mercado privado: o mercado produz habitação de interesse social e ganha metros quadrados equivalentes, não onerosos, para produzir os empreendimentos que desejar. Se num primeiro momento poderia parecer uma ideia interessante, nos preocupa o controle da produção de HIS delegada às mãos de agentes privados.Considerando os recursos dispensados ao privado na concessão destes bônus, não seria mais viável e estratégico o próprio poder público produzir essas habitações e destiná-las a programas eficazes para a manutenção dos mais pobres na área central, como a locação social ou iniciativas à autogestão? Com o bônus, mais uma vez o acesso à habitação pelas famílias mais pobres seria realizado através dos financiamentos habitacionais tradicionais, no formato compra e venda, inacessíveis para as camadas mais pobres da população. Quem ganha menos de 2 salários não consegue realizar esse tipo de financiamento.
5.O PIU propõe ainda o mesmo esquema de bônus para que o mercado realize retrofits em edifícios antigos ou subutilizados, independentemente da faixa de renda que será atendida nesses empreendimentos. Sabemos que há uma dificuldade do mercado na aprovação e desenvolvimento destes projetos, mas o caminho não seria o de facilitar o processo de aprovação dos retrofits, ao invés de conceder benefícios financeiros para o empreendedor? É papel do poder público financiar habitação para as classes médias e altas, que já são ofertadas pelo mercado imobiliário? Esse dinheiro não deveria estar sendo investido no combate ao déficit habitacional das famílias com renda inferior a 3 salários mínimos?
Diante destas questões, consideramos fundamental que os parlamentares atuais e eleitos ampliem o debate sobre este projeto juntamente com a sociedade civil e os principais impactados pelas transformações propostas. Acreditamos que um projeto para o centro da metrópole de São Paulo deveria ser mais efetivo no combate às desigualdades e na provisão de serviços públicos de qualidade e acessíveis para a população de toda a cidade. Por meio de soluções fragmentadas entregues à iniciativa privada perdemos a oportunidade de incidir no território de forma mais democrática e planejada.