MOÇÃO DE RECOMENDAÇÃO DE VETO DE DISPOSITIVOS CRÍTICOS AO DESENVOLVIMENTO URBANO DA CIDADE REFERENTES À LEI APROVADA PELA CÂMARA MUNICIPAL EM 21/12/2023 (PL 586/23)
Recomendação de vetos ao Projeto de Lei 586/2023
No próximo dia 19 de janeiro, o prefeito Ricardo Nunes deve sancionar ou vetar parcial ou integralmente a lei aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo em 21 de dezembro de 2023 referente ao PL 586/2023, que trata da revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei do Zoneamento).
Está em jogo o futuro do planejamento urbano e da proteção ao patrimônio cultural e ambiental da cidade. O futuro de São Paulo. Por essa razão, as entidades, urbanistas e especialistas que subscrevem essa moção apelam ao Senhor Prefeito Ricardo Nunes que respeite as recomendações técnicas que avaliaram o PL 586/2023, vetando todos os dispositivos aprovados que contrariam o interesse público.
Uma avaliação técnica rigorosa do texto e dos mapas aprovados, realizada por entidades profissionais e acadêmicas, especialistas, ex-secretários, ex-diretores e técnicos dos setores da prefeitura relacionado com o tema, recomenda veto em dezenas de artigos, incisos, parágrafos e mapas, levando em conta aspectos conceituais, legais, inconsistências, contradições com as diretrizes do Plano Diretor Estratégico e incompatibilidade entre textos e mapas.
A quantidade de problemas existentes na lei aprovada pelo legislativo é tal, que se torna possível, e talvez recomendável, um veto integral ao texto. Desta forma se poderia reiniciar o processo de elaboração da revisão do zoneamento com uma metodologia adequada, ou seja, a partir de uma avaliação técnica da lei em vigor, dos seus impactos e de uma leitura regionalizada do território.
Se o texto aprovado entrar em vigor, perder-se-ão décadas de aperfeiçoamento da legislação urbanística, ambiental e cultural da cidade. Ele foi elaborado de forma apressada pelo legislativo, sem o devido arsenal técnico necessário para uma tarefa dessa dimensão, sem o aval da prefeitura e sem a devida transparência e debate público, resultando em um texto que não resiste a uma análise criteriosa, tanto no conteúdo como na forma.
Embora tenham sido feitas muitas audiências públicas na Câmara, a grande maioria delas debateu o texto do executivo, enviado em 4 de outubro. Este foi inteiramente alterado no 2º substitutivo apresentado pelo relator no dia 19 de dezembro, apenas 48 horas antes da votação final, com mapas ilegíveis na escala das quadras e sem nenhuma avaliação dos impactos que tais alterações trariam para a cidade. Na própria manhã do dia da votação, novas alterações, ainda mais nefastas, foram introduzidas e aprovadas.
Esse método contraria a gestão participativa consagrada no Estatuto da Cidade, na Lei Orgânica do Município e no Plano Diretor, o que retira a legitimidade do texto aprovado. Por essa razão solicitamos o veto, pelo menos, de todos os dispositivos introduzidos no 2º Substitutivo.
Do ponto de vista do planejamento urbano, a lei aprovada desestrutura a estratégia urbanística do Plano Diretor Estratégico que busca concentrar o adensamento populacional e a transformação urbana no entorno do transporte coletivo de massa e nas antigas áreas industriais, desestimulando a verticalização nos miolos dos bairros.
Destaca-se que o artigo 32 da lei aprovada possibilita a ampliação do gabarito na Zona Mista (ZM), em 50%, e na Zona Centralidade (ZC), em 25%. Ao ampliar a altura dos edifícios nessas zonas, onde inexistem limites para o número de garagens e tamanho dos apartamentos, a revisão estimula a dispersão da verticalização por quase toda a cidade, longe do transporte coletivo de massa, estimulando o uso do carro.
Outros dispositivos, em diversos artigos, permitem aumentar, sem qualquer estudo de impacto e sem o pagamento da outorga onerosa, a área construída desses edifícios, em troca de uma sempre desrespeitada destinação para habitação de interesse social ou de mercado popular.
Nos Artigos 89 e seguintes, o PL aprovado comete uma clara inconstitucionalidade que, se efetivada, destruiria décadas de construção de uma política de proteção ao patrimônio cultural, arquitetônico e urbano de São Paulo baseada em critérios técnicos. O PL transfere do Conpresp (Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural e Ambiental) para o próprio Legislativo, a competência exclusiva para decidir sobre áreas tombadas e sobre o destombamento de bens de valor histórico, cultural e ambiental. O Conpresp se transformaria em órgão meramente consultivo. Pode-se imaginar o que significaria para o patrimônio de São Paulo deixar o poder de decisão sobre sua proteção nas mãos dos vereadores.
O artigo 93 do PL abriu a possibilidade de instalação de empreendimentos de habitação de interesse social em todas as zonas de proteção ambiental, como as ZEPAM, ZPDS, ZEP. Não se trata de regularizar de áreas já ocupadas, mas de autorizar empreendimentos imobiliários em áreas que deveriam ficar protegidas. Esse dispositivo reduz substancialmente a resiliência ambiental da cidade e amplia os riscos climáticos, descumprindo os compromissos internacionais em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e de zerar as emissões de gases de efeito estufa.
Ademais, o artigo 26 do PL promove um forte retrocesso no controle de impactos e na qualidade urbanística de grandes empreendimentos. Entre outros dispositivos nefastos, eliminou a exigência de atendimento das dimensões máximas de lote em novos parcelamentos, possibilitando empreendimentos, como shoppings, em grandes quadras sem a adequada proporção de áreas públicas, como sistema viário, áreas verdes e institucionais.
Também se retirou a obrigação de doação de áreas públicas em parcelamentos com área superior a 20.000m² ou 40.000m². Dessa forma, a municipalidade estaria desistindo de receber terras públicas para implantação de áreas verdes e equipamentos sociais, em uma cidade onde essas são tão escassas.
As incompatibilidades entre texto e mapas, a falta de coerência entre diferentes artigos da própria lei, a ausência de clareza nos dispositivos propostos, entre outros problemas que abundam no PL aprovado, dificultarão a aplicação da lei que regula os processos imobiliários da cidade, gerando ampla insegurança jurídica.
Na Nota Técnica que acompanha essa moção, elaborada pelas entidades que organizaram o Fórum SP 23, estas e outras aberrações do PL aprovado estão mais identificadas e detalhadas, justificando a solicitação para que o Senhor Prefeito vete, no mínimo, os seguintes dispositivos: os parágrafos 5° e 6° do artigo 4°, os artigos 10, 15, 25, 26, 28, 29, 31, 32, 52, 53, 59, 72, 73, 89, 90, 91 e 93, inciso I do artigo 94, as letras “n” e “o” do Quadro 3 e o Mapa 1 anexo. Além dessas, o veto a todas as demais modificações inseridas no 2º Substitutivo sanaria, ao menos em parte, os graves problemas de ausência de transparência, publicidade e participação que caracterizaram a aprovação desse PL no legislativo.
Esperamos que o Senhor Prefeito Ricardo Nunes leve em conta as recomendações técnicas sugeridas por nossas entidades, em defesa da cidade e de seu futuro.
São Paulo, 18 de janeiro de 2024
Prof. Dr. Candido Malta Campos Filho, Secretario/Coordenador Geral de Planejamento (Gestão Olavo Setúbal, 1975-1981).
Profa. Dra. Regina Meyer, FAU-USP, Diretora do Departamento de Patrimonio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura (Gestão Mário Covas, 1983-1986).
Profa. Dra Raquel Rolnik, FAU-USP, Diretor de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal de Planejamento (Gestão Luiza Erundina, 1989-1992).
Ivan Maglio, Diretor de Planejamento Urbana da Secretaria Municipal de Planejamento (Gestão Marta Suplicy, 2001-2004). Coordenador técnico da revisão do zoneamento em 2004.
Prof. Dr. Nabil Bonduki, FAU-USP, relator na Câmara Municipal da revisão Plano Diretor Estratégico (2002 e 2014) e da revisão do zoneamento (2004), Secretário Municipal de Cultura (2015-2016) e coordenador geral do Fórum SP23.
Prof. Dr. Fernando de Mello Franco, Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano (Gestão Fernando Haddad, 2013-2016), responsável pela coordenação geral da revisão do PDE 2014 e LPUOS 2016.
Carlos Augusto Machado Calil, Secretário de Cultura na Gestão Serra e Kassab.
Prof. Dr. Daniel Todtmann Montandon, Diretor de Uso e Ocupação do Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Gestão Fernando Haddad, 2013-2016), coordenador técnico da revisão do zoneamento em 2016 e membro da Comissão de Organização do Fórum SP 23.
Profa. Dra. Angélica Benatti Alvim, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Comissão de Organização do Fórum SP 23.
Prof. Dr. Eduardo Cesar Leão Marques, Diretor do Centro de Estudos da Metrópole – CEM e membro da Comissão de Organização do Fórum SP 23.
Arquiteto e Urbanista Fernando Tulio da Rocha Franco, Membro do IAB-SP e Coordenador Geral do Fórum SP 23.
Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira, Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU-USP e membro da Comissão de Organização do Fórum SP 23.
Prof. Dra. Lilian Regina Gabriel M. Pires, Presidente da Comissão de Direito Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e membro da Comissão de Organização do Fórum SP 23.
Dra Raquel Schenkman, Presidente do Instituto de Arquitetos de São Paulo (IAB-SP), e membro da Comissão de Organização do Fórum SP 23.
Renata Esteves de Almeida Andretto, Representante Titular de Associações de Bairros no CMPU.
Rodrigo Faria G. Iacovini, Diretor Executivo do Instituto Pólis.
Severina Ramos do Amaral da Silva, coordenadora estadual da CMP, representante da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo/UMM.
Lucila Lacreta, Diretora Executiva do Movimento Defenda São Paulo, Diretora da Associação Amigos do Jardim das Bandeiras, Conselheira eleita do CMPU e membro da CTLU.
Stela de Camargo Da Dalt, Representante Titular dos Conselhos Participativos Municipais (Macrorregião Centro) no CMPU e representante Titular do IAB-SP no Conpresp.
Sandra Ramalhoso, Coordenadora da Pastoral da Pessoa com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo.
Durval Nicolau Tabach, representante titular do CPM – Macrorregião Sul 1 no CMPU.
Thaline Nunes Rocha, representante suplente do CPM- Macrorregião norte 2 no CMPU, representante do Coletivo Amigos da Mata Esmeralda e membro do Fórum Popular da Natura, do Fórum Verde de Parques, Praças e Áreas Verdes e do Corredor Ecológico Urbano do Butantã.
Durval Nicolau Tabach, representante titular Macrorregião Sul 1 no CMPU.
José André de Araujo, representante titular de associações de bairros no CMPU.
Benedito Roberto Barbosa, representante da UMM e da Central de Movimentos Populares – CMP.
Simone Salles da Silveira Chaves, representante titular do movimento de Moradia Leste 1 no CMPU.
Julia Azevedo Moretti, coordenadora regional sudeste (substituta) do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU, pesquisadora do LabHab e integrante da CDU/OAB-SP.
Renato Balbim, pesquisador do IPEA e membro do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU.
Fábio Benini Cabral, representante suplente Macrorregião Centro no CMPU.
Tereza Herling, arquiteta urbanista, ex-secretária adjunta de desenvolvimento urbano gestão Fernando Haddad, professora universitária e representante das universidades no CMPU.
Maria Laura Fogaça Zei, representante suplente de associações de bairros no CMPU.
Mauro Calliari, representante titular da cadeira do CMTT no CMPU.
Ana Aragão, presidente da Associação dos Amigos da Praça João Afonso de Souza Castellano, presidente do Movimento Parque Linear Caxingui e Conselheira CADES Butantã.
Elodia Fátima Filippini, representante titular Macrorregião Leste 1 no CMPU.
Jefferson Carlos da Silva, representante suplente dos movimentos de moradia no CMPU.
Luciana Lessa Simões, arquiteta e urbanista, ex Diretora de Habitação e ex Superintendente da Empresa Municipal de Habitação Popular de Santo André.
Prof. Dra. Maria Cristina da Silva Leme, professora titular da FAUUSP, membro do FORUM SP 23 e ex representante pelo CAU-SP.
Entidades que apoiam a presente moção
Associação Amigos do Jardim das Bandeiras
Associação Amigos e Moradores de Perdizes
Associação Amigos Jardim dos Jacarandás
Associação dos Amigos da Praça João Afonso de Souza Castellano
Associação dos Proprietários e Protetores de Imóveis Tombados – APPIT
Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA)
Associação Viva Pacaembu por São Paulo
Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS)
Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP)
Engenharia pela Democracia (EngD)
Fundação Getúlio Vargas
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU)
Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade (IPAN)
Instituto Polis
Instituto ZeroCem
Legado Jorge Wilheim
Movimento Defenda São Paulo
Movimento Parque Linear Caxingui
Movimento Pró-Pinheiros
Núcleo Docomomo São Paulo
Rede BrCidades Núcleo São Paulo
Sociedade Amigos de Cerqueira César (SAMORCC)
Sociedade Amigos da Cidade Jardim (SACJ)
Associação de Moradores da Vila Mariana
Associação de Amigos e Moradores pela Preservação do Alto da Lapa e Bela Aliança (ASSAMPALBA)
Federação da Associação Comunitária do Estado de São Paulo (FACESP)