VEJA O DOCUMENTO TÉCNICO SOBRE VETO DE DISPOSITIVOS CRÍTICOS AO DESENVOLVIMENTO URBANO MUNICIPAL REFERENTES À LEI APROVADA PELA CÂMARA MUNICIPAL EM 21/12/2023 (PL 586/23)

Última atualização em: 18/01/24 às 11h

O processo de revisão da Lei Municipal n° 16.402/16 (Lei de Zoneamento) foi iniciado no início de 2017, logo no início da gestão do prefeito João Doria. Até então, a mencionada lei recém aprovada em 2016 tinha sido aplicada por menos de 1 ano (mais especificamente durante 10 meses). Neste período, entre a entrada em vigor da Lei Municipal n° 16.402/16 e o início dos trabalhos de sua revisão, foram publicados os seguintes decretos:

  • Decreto nº 57.298, de 08 de setembro de 2016 – Dispõe sobre os empreendimentos considerados de baixo risco de que tratam os artigos 127 e 133 da Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016.
  • Decreto Nº 57.377, de 11 de outubro De 2016 – Estabelece disciplina específica de parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como normas edilícias para Habitação de Interesse Social, Habitação de Mercado Popular, além de Empreendimento de Habitação de Interesse Social, Empreendimento de Habitação de Mercado Popular e Empreendimento em Zona Especial de Interesse Social, nos termos das Leis nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – PDE, e nº 16.402, de 22 de março de 2016 – LPUOS.
  • Decreto nº 57.378, de 13 de outubro de 2016 – Regulamenta o enquadramento de atividades não residenciais conforme categorias de uso, subcategorias de uso e os grupos de atividades previstos nos artigos 96 a 106 da Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016; estabelece procedimentos para a aplicação das disposições relativas ao uso do solo fixadas pela referida lei.
  • Decreto nº 57.443, de 10 de novembro de 2016 – Dispõe sobre aspectos relacionados à fiscalização de posturas no Município de São Paulo, regulamentando os artigos 26, 139 a 153 e 176 da Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016.
  • Decreto nº 57.521, de 9 de dezembro de 2016 – Regulamenta a aplicação de disposições da Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016, relativas à ocupação do solo e condições de instalação dos usos.
  • Decreto nº 57.558, de 21 de dezembro de 2016 – Regulamenta a aplicação de disposições da Lei nº 16.402, de 22 de março de 2016, relativas ao parcelamento do solo.

Também foram aprovadas 25 resoluções da CTLU nos anos de 2016 e 2017, além de portarias, todas voltadas ao esclarecimento de aplicação da Lei Municipal n° 16.402/16, de modo a dirimir dúvidas e aclarar entendimentos sobre a aplicação da nova lei de 2016. Tais decretos e resoluções, somados à aprovação do Código de Obras e Edificações – COE em 2017 (Lei Municipal n° 16.642/17), viabilizaram a aplicação do novo zoneamento aprovado.

Nesse quadro, fica claro que a motivação de revisão da então recém aprovada Lei Municipal n° 16.402/16 não se deu exatamente por “problemas” na sua aplicação (uma vez que as principais dúvidas sobre sua aplicação foram sanadas), mas por discordância nas implicações que a nova lei trouxe ao desenvolvimento de novos projetos, novos empreendimentos e novos negócios na cidade. Mas, afinal, que “problemas” eram estes?

Os documentos produzidos pela SMUL em 2017 eram desprovidos de um diagnóstico de tais problemas, não existindo uma justificativa e embasamento técnico. O que se produziu foi meramente uma explicação das proposições pretendidas. Existia claramente um interesse de natureza imobiliária e econômica para impulsionar a revisão, respaldado por alguns técnicos e gestores da SMUL.

Os trabalhos de revisão prosseguiram, tendo sido consolidada em 2018 uma proposta de minuta de projeto de lei pelo executivo, cujo teor apresentava considerável flexibilização da Lei Municipal n° 16.402/16 e do Plano Diretor Estratégico – PDE (Lei Municipal n° 16.050/14), que se dava por meio da redução da capacidade de indução do adensamento próximo do transporte público coletivo e nos locais de projetos urbanos (em função da liberação de gabaritos em zonas mistas – ZM – e zonas centralidade – ZC); redução da incidência da Outorga Onerosa do Direito de Construir (e consequentemente a menor obtenção de recursos do FUNDURB para investimentos em habitação de interesse social e infraestrutura de mobilidade urbana sustentável); dispersão do adensamento na cidade (resultante do incremento de gabarito em ZM e ZC); fomento ao uso do automóvel particular (decorrente do aumento do número de vagas); redução do controle sobre externalidades negativas geradas por grandes empreendimentos imobiliários (redução da exigência de doação de áreas públicas no parcelamento do solo); dentre outras medidas de flexibilização.

Mesmo com forte mobilização e crítica da sociedade civil quanto ao processo problemático e ao teor questionável da revisão em curso, o processo de revisão continuou ao longo de 2019, tendo sido consolidada uma nova versão da minuta de projeto de lei na gestão do prefeito Bruno Covas, com retirada de várias propostas criticadas pela sociedade.

No final do ano de 2019 foi proferida decisão liminar do Tribunal de Justiça suspendendo o processo participativo. Com o início da pandemia do Covid-19, o processo ficou suspenso até dezembro de 2022, quando foi julgada improcedente a ação que suspendia o processo participativo.

Em paralelo, a SMUL realizou o processo de revisão do PDE 2014, motivada por previsão legal (artigo 4° da Lei Municipal n° 16.050/14) que resultou na aprovação da Lei Municipal n° 17.975/23, em julho de 2023. Tal revisão inaugurou significativa flexibilização do PDE 2014 no tocante à sua estratégia de ordenamento territorial, notadamente o enfraquecimento da mobilidade urbana sustentável, por exemplo, por meio de medidas de fomento ao uso do automóvel particular. Importante destacar que na revisão do PDE 2014 o adensamento foi tratado como uma verdadeira panaceia para resolução dos problemas urbanos, tendo sido previstos incentivos para produção de moradia de interesse social acompanhados de benefícios aos demais tipos de habitação, que acabam sendo muito mais uma medida de fomento ao desenvolvimento imobiliário do que exatamente uma forma de produção de moradia para quem mais precisa (se considerarmos o perfil de renda da maior parte do déficit habitacional do município). Além disso, o PDE 2023 estabeleceu critérios para revisão da demarcação das áreas de influência dos eixos de estruturação da transformação da urbana, a serem tratados justamente numa futura revisão da lei de zoneamento.

Aqui cabe uma breve consideração sobre o adensamento como estratégia de planejamento e gestão urbana. Pode-se dizer, de modo simplificado, que o adensamento é quando se busca a  otimização do solo em relação aos  investimentos na infraestrutura urbana. Neste caso, é fundamental identificar os limites da capacidade de suporte das infraestruturas urbanas, do território, do meio físico e dos elementos de preservação e proteção cultural, histórica e da paisagem, para que se estabeleça a quantidade máxima de pessoas e habitações admitida num determinado bairro ou setor da cidade, sempre assegurando sua utilização, racional, segura, confortável, acessível, democrática e sustentável. É notório que o adensamento apresenta virtudes quando associado a uma estratégia sustentável de desenvolvimento urbano, especialmente no tocante à racionalização do uso do solo urbano. Ocorre que, ao mesmo tempo em que o adensamento promove o tal uso racional do solo urbano, a sua inadequada “calibragem” (ou modelagem) pode gerar externalidades negativas que podem gerar grandes problemas urbanos, tais como a intensa valorização imobiliária (e o consequente encarecimento dos imóveis), saturação das infraestruturas e dos serviços urbanos (em especial o sistema viário), poluição generalizada (ar, água, solo), degradação ambiental, dentre outros.

O quadro a seguir elaborado por Claudio Acioly Jr. e Forbes Davidson no livro “Densidade Urbana: um Instrumento de Planejamento e Gestão Urbana” (2011) resume as externalidades positivas e negativas associadas às densidades urbanas.

Figura 1 | Implicações da densidade no desenvolvimento urbano

Fonte: Acioly Jr. e Davidson (2011)

Mesmo que o conceito de densidade urbana não seja novo e que a técnica para formulação de planos e projetos urbanos seja amplamente consagrada no campo do urbanismo, ainda persiste a ausência de estudos técnicos em determinados processos de formulação e revisão de planos diretores e leis de zoneamento. É o que ocorreu na revisão do PDE 2014. Foram previstos diversos incentivos para fomentar a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e outras modalidades de habitação, gerando maior verticalização e incremento de densidade construtiva e menor pagamento de contrapartida financeira da Outorga Onerosa do Direito de Construir, sem que tal incremento de densidade fosse respaldado por estudos técnicos que aferissem de forma cuidadosa as diversas externalidades negativas e positivas decorrentes das alterações normativas que foram feitas. Ao invés de estudos, predominou a narrativa populista promovida pelas lideranças responsáveis na Câmara Municipal e na Prefeitura e por (alguns) simpatizantes. No balanço de todo o processo, o setor imobiliário e os proprietários de determinados imóveis foram os maiores beneficiados.

Retomando a cronologia do processo de revisão do zoneamento, a partir da aprovação da revisão do PDE em 2023, a SMUL retomou o processo de revisão da Lei Municipal n° 16.402/16, agora pela gestão do prefeito Ricardo Nunes, consolidando uma versão bastante enxuta da minuta de projeto de lei que foi proposta em 2019, antes da judicialização. Importante ressaltar que desde o início da revisão em 2017, até então em nenhum momento se tratou da alteração em mapa. Apenas em 19/09/2023 foi divulgada uma nova minuta, contendo um mapa, incompleto, com alterações nos eixos, tendo sido realizada apenas uma audiência devolutiva em 02/10/2023. Esse mapa previa ampliações e exclusões das áreas de influência dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, com critérios para demarcação de zonas nas áreas excluídas, porém, sem avançar na definição de um zoneamento definitivo para estas áreas. Era nítido o açodamento da Prefeitura e da Câmara pelo envio da proposta para o legislativo.

Finalmente em 05/10/2023 foi enviado para a Câmara Municipal o PL 586/2023.

Se considerarmos o tempo em que o processo de revisão ocorreu no âmbito da SMUL, foram 35 meses de debates sobre dispositivos normativos da lei, sem alterações em mapa (já desconsiderando o tempo em que o processo ficou suspenso pela justiça, de maio de dezembro de 2029 a junho de 2023), tendo sido disponibilizados apenas 16 dias para a população conhecer o mapa (incompleto) com as alterações nos eixos (muito aguardadas por algumas associações de moradores), sem possibilidade para sua modificação.

O processo na Câmara contou com a realização de 25 audiências públicas para debate do PL 586/23 antes da apresentação do 1° substitutivo, sendo que 12 audiências foram realizadas na Câmara Municipal (11 delas no período da manhã).

Na 12ª audiência pública realizada em 08/11/2023 foi apresentado um novo mapa com intenções de modificação do zoneamento. O mapa apresentava “exclusões” de ZEU e quadras com possível existência de vilas, não se tratando de um mapa legalmente alterado, mas apenas de fato numa “intenção”, como sendo uma mensagem do que se pretendia ser alterado.

O 1° substitutivo foi apresentado dia 04/12/2023, com alterações significativas em relação ao PL 586/23, seja em texto, seja em mapa. Após sua divulgação, foram realizadas 6 audiências públicas em 15 dias, sendo que em 19/12/2023 foi publicado o 2° substitutivo, contendo várias alterações de teor significativo e com muitas diferenças em relação ao que vinha sendo tratado até então no processo de revisão.

Após publicação do 2° substitutivo, foram realizadas apenas 2 audiências públicas, tendo sido a lei aprovada em 21/12/2023. Foram apenas 2 dias para debate de mudanças de grande relevância para a cidade, com forte interferência na lógica de planejamento urbano e também com elevado potencial de geração de externalidades negativas. Tal situação se agravou ainda mais num contexto de final de ano, em que a população não estava mobilizada para acompanhar ativamente a alteração de temas consideravelmente complexos. E convenhamos que os próprios vereadores não tiveram o tempo adequado de examinarem com o devido cuidado as alterações propostas tanto no 1°, quanto no 2° substitutivo. Afinal, entre a apresentação do 1° substitutivo e a aprovação da lei foram apenas 17 dias.

Para uma melhor compressão das alterações feitas no 2° substitutivo e de algumas proposições feitas no 1° substitutivo, segue uma breve análise dessas mudanças.

  • Flexibilização de gabarito em ZM e ZC

O artigo 32 da lei aprovada alterou o artigo 60 da Lei Municipal n° 16.402/16, prevendo a possibilidade de ampliação do gabarito em Zona Mista (ZM) e Zona Centralidade (ZC), condicionado ao atendimento da largura da via (12m) e à destinação de parte desse incremento para HIS ou pela utilização da Cota de Solidariedade. Em ZM, o gabarito passa de 28m para 42m e em ZC para de 48m para 60m. Trata-se de um aumento de 50% em ZM e de 25% em ZC.

Importante lembrar que, quanto maior o gabarito de altura, maior a área não computável derivada dos terraços (ou varandas), conforme disposto no artigo 108 da Lei Municipal n° 16.642/17 (COE), pois a proporção de terraço é de 5% da área do lote por pavimento. Ou seja, embora a área computável permaneça a mesma, a área privativa das unidades residenciais tem sua área aumentada. Além disso, a utilização de outros incentivos previstos no PDE 2023 e na nova lei de zoneamento aprovada pela Câmara Municipal também contribui para o aumento de área construída, sem resultar no aumento de área computável e da respectiva incidência da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Isso implica num aumento de verticalização, pois permitirá a construção de um número maior de apartamentos, além de resultar no potencial incremento do valor dos imóveis.

Embora esse aumento do gabarito resulte num aumento da verticalização, não é esse fator que, isoladamente, irá comprometer a estratégia de ordenamento territorial do Plano Diretor, mas a combinação de diversos dispositivos, especialmente o aumento do gabarito com a redução da contrapartida financeira da outorga onerosa, que tornarão as ZM e ZC mais atrativas do que foram na lei de 2016, comprometendo a força indutora de transformação dos eixos de adensamento ao longo das linhas de transporte público (zonas ZEU) e também nos territórios dos Projetos de Intervenção Urbana (PIU).

Importante ponderar que o PDE 2014 abriu mão dos estoques de potencial construtivo adicional por usos e por distritos anteriormente adotados nas Leis Municipais n° 13.430/02 e n° 13.885/04, justamente pelo fato dos parâmetros urbanísticos e da contrapartida financeira da outorga onerosa do direito de construir do PDE de 2014 serem suficientemente capazes de induzir a transformação dos eixos. Isto é, a força de indução desses regramentos dispensou o controle de adensamento por estoques, tal como ocorreu no PDE de 2002. Neste contexto, não haveria como prosperar com a proposta incremento de gabarito em ZM e ZC, sem que houvesse uma alternativa ao controle de adensamento, por exemplo, por estoques.

Quanto à mensuração das externalidades positivas e negativas da modificação aprovada, nem a Câmara Municipal, nem a SMUL realizaram estudos técnicos e simulações. Tampouco a universidade e institutos de pesquisa tiveram tempo suficiente para tal desenvolvimento. Mas uma coisa é certa: quanto maior for a adesão aos incentivos concedidos, maiores serão as externalidades negativas potenciais de serem geradas, devido à lógica de dispersão do adensamento na cidade e da redução dos mecanismos de mitigação de impactos.

  • Redução da incidência da Outorga Onerosa do Direito de Construir para edificações sustentáveis

Uma das maiores inovações da Lei Municipal n° 16.402/16 foi a introdução do conceito da Quota Ambiental, fazendo com que as novas edificações construídas em lotes com área de terreno superior a 500m² (e também reformas com incremento de área construída superior a 20%) tivessem que cumprir uma determinada pontuação para atingir qualidade ambiental no que se refere à contribuição para melhoria da drenagem urbana, melhoria do microclima e preservação e melhoria da biodiversidade. Para cumprir tal pontuação foram previstas soluções arquitetônicas, construtivas e paisagísticas (Quadro 3B da Lei Municipal n° 16.402/16), de modo a conferir flexibilidade projetual para seu atendimento conforme as diferentes situações urbanas e os diferentes programas pretendidos.

Além da pontuação mínima, tais edificações também deveriam instalar dois reservatórios, um de reuso de água e outro para retenção do escoamento superficial, este último com vistas ao retardo na sobrecarga ao sistema de drenagem urbana.

É evidente que as soluções previstas no Quadro 3B não abarcam todas as soluções sustentáveis, como por exemplo, o uso de lâmpadas LED e a utilização de placas solares para geração de energia. Para tanto, a Lei Municipal n° 16.402/16 buscou fomentar processos de certificação ambiental de edificações, uma vez que nestes processos busca-se cada vez mais uma abordagem holística sobre a sustentabilidade, fazendo com que empreendimentos adotem soluções sustentáveis tanto na concepção do projeto, quanto em todo o processo de execução da obra. Para tanto, a Lei Municipal n° 16.402/16 explorou a estratégia de incentivar a certificação por meio do Incentivo de Certificação, em que, a depender da certificação adotada, o incentivo poderia ocorrer conforme a fórmula a seguir:

IC = FC x At x CAP, sendo:

IC: Incentivo de Certificação, em reais (R$), a ser descontado do valor total da contrapartida financeira da Outorga Onerosa do Direito de Construir;

FC: Fator de Certificação, de acordo com o grau de certificação:

  • para o grau mínimo de certificação: FC = R$ 40/m²;
  • para o grau máximo de certificação: FC = R$ 120/m²;

At: área de terreno em metros quadrados;

CAP: Coeficiente de Aproveitamento Pretendido no empreendimento.

Como exemplo, podemos adotar uma situação hipotética de um lote com área de terreno de 4.000m² e Coeficiente de Aproveitamento Pretendido no empreendimento igual a 2. Neste caso a depender da certificação adotada, o FC mínimo seria de R$ 320.000,00 e o FC máximo seria de R$ 960.000,00. Ou seja, tais valores seriam descontados da contrapartida financeira da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Como se vê, a lei de 2016 já estabelecia um incentivo para certificação ambiental de edificações, fomentando a adoção de um conjunto de medidas sustentáveis ao invés de medidas isoladas e fragmentadas.

A lei aprovada pela Câmara Municipal aumentou os valores do grau mínimo e do grau máximo de certificação, passando o grau mínimo de R$ 40/m² para R$ 56/m² e o grau máximo de R$ 120/m² para R$ 300/m². Se adotarmos os mesmos valores hipotéticos simulados anteriormente (área de terreno de 4.000m² e Coeficiente de Aproveitamento Pretendido no empreendimento igual a 2), teríamos os seguintes novos valores: FC mínimo igual a R$ 448.000,00 e FC máximo igual a R$ 2.400.00,00. Ou seja, foi concedido um incremento de 150%.

Ocorre que além de promover tal incremento de 150% no Incentivo de Certificação, a lei aprovada também previu incentivos para soluções sustentáveis aplicadas de forma isolada, conforme consta no artigo 10 da lei aprovada. Em síntese, temos os seguintes incentivos em área não computável acrescida fora do limite de 59% do limite de área construída não computável previsto na lei de 2016 (§2º do artigo 62 da Lei Municipal n° 16.402/16):

  • incremento de área não computável de 8% da área construída computável para edificações que adotarem inovações tecnológicas no projeto arquitetônico e que obtenha certificação específica de sustentabilidade;
  • incremento de área não computável de 10% da área construída computável para edificações que implantarem arborização vertical com indivíduos arbóreos de porte médio ou grande com 3m no mínimo a cada 50m² de fachada, atendendo determinadas condicionantes técnicas;
  • incremento de área não computável de 5% da área construída computável para edificações que fizerem uso da cogeração de energia limpa, tais como fotovoltaica, solar, com previsão para que atinja no mínimo 40% do seu consumo;
  • incremento de área não computável de 3% da área construída computável para edificações que fizerem uso de pré-tratamento de esgoto;
  • incremento de área não computável de 3% da área construída computável para edificações que adotarem medidas de drenagem natural ou mista, além daquelas exigidas na lei e que ampliem em 40% sua capacidade de drenagem;
  • incremento de área não computável de 5% da área construída computável para edificações que implantarem teto-jardim com área equivalente a pelo menos 80% da taxa de ocupação utilizada no projeto;
  • incremento de área não computável para edificações que implantarem floreiras com dimensões mínimas de 0,80m por 0,80m por 0,80m de terra destinadas a indivíduos arbóreos de porte médio ou grande com 3m de altura, no mínimo;
  • incremento de área não computável de 5% da área construída computável para novas tecnologias e soluções construtivas propostas em projetos específicos e não previstas nesta lei e que comprovadamente apresentem eficiência energética e atendam índices de desempenho conforme NTO, após apreciação da CAIEPS e CTLU.

O parágrafo segundo do mencionado artigo 10 da lei aprovada estabeleceu ainda que os incentivos são cumulativos, limitados a 10% de acréscimo de áreas não computáveis em relação à área construída computável adotada no projeto, estando fora do limite de 59% do limite de área construída não computável previsto na lei de 2016. Como se pode observar, os incentivos apresentam valores significativos, reduzindo a incidência da Outorga Onerosa do Direito de Construir, com o fito de incentivar soluções arquitetônicas, tecnológicas e paisagísticas que, embora sejam relevantes, não apresentam ganhos ambientais, sociais e de sustentabilidade que justifiquem os benefícios econômicos concedidos e a consequente renúncia fiscal do FUNDURB. Tal situação se agrava quando apresenta duplicidade ao Incentivo de Certificação. Isto é, os incentivos conferidos em desconto de pagamento da contrapartida financeira da Outorga Onerosa do Direito de Construir no Incentivo de Certificação podem ser considerados semelhantes aos incentivos descritos no artigo 10 para concessão de área não computável, ocorrendo um “efeito bis in idem” de concessão de incentivos.

Neste processo, o FUNDURB acaba sendo potencialmente impactado, numa ordem de grandeza de 10% a menos de recursos arrecadados para serem aplicados em Habitação de Interesse Social, transporte e mobilidade urbana e demais melhorias urbanas.

Afinal, quais foram os estudos técnicos e simulações feitos para que tais incentivos fossem concedidos?

  • Flexibilização do lote máximo e da exigência de parcelamento do solo

O artigo 25 da lei aprovada altera o parágrafo único do artigo 42 da Lei Municipal n° 16.402/16, adicionando igrejas e templos de qualquer culto, shopping centers e todos os usos localizados em ZC-ZEIS do atendimento das dimensões máximas de lotes. Por sua vez, o artigo 26 da lei aprovada isentou do atendimento das dimensões máximas de lotes todos os usos localizados fora da macrozona de estruturação e qualificação urbana (introdução do artigo 42A) e também isentou da destinação de áreas públicas o parcelamento de lote ou gleba com área superior a 20.000m² ou 40.000m², desde que sejam atendidas algumas determinações. Além disso, os artigos 28 e 29 reproduzem efeitos das proposições feitas no artigo 26 da lei aprovada.

Tais mudanças acabam resultando em considerável retrocesso no controle de impactos de grandes empreendimentos. Vejamos o que dispõe parcialmente os artigos 2° e 4° da Lei Municipal n° 16.402/16:

Art. 2º São diretrizes para o parcelamento, uso e ocupação do solo:

[…]

VI – a limitação e o condicionamento da instalação de empreendimentos de médio e grande porte tendo em vista as condições urbanísticas do seu entorno, de modo a proporcionar melhor equilíbrio entre áreas públicas e privadas, melhor interface entre o logradouro público e o edifício, compatibilidade entre densidade demográfica e a infraestrutura existente e maior continuidade, capilaridade e conectividade do sistema viário;

[…]

Art. 4º Para o cumprimento das estratégias de ordenamento territorial previstas na Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – PDE e atendimento das diretrizes estabelecidas nesta lei, os parâmetros de parcelamento, uso e ocupação dos lotes serão definidos conforme as seguintes finalidades principais:

I – dimensões máximas de lotes e quadras: adequar a inserção de empreendimentos de médio e grande porte em relação ao entorno, melhorar a oferta de áreas públicas e evitar a descontinuidade do sistema viário;

[…]

Verifica-se claramente que as mudanças feitas afrontam as diretrizes definidas na própria Lei Municipal n° 16.402/16.

A liberação de shoppings centers do atendimento do lote máximo significa a volta aos grandes empreendimentos que acabam concentrando empregos num único lugar ao invés de se fomentar o comércio e serviços nos bairros, as fachadas ativas e a geração de empregos na periferia, viabilizando a “cidade de 15 minutos”[1]. Além disso, mesmo com a incidência da legislação de Pólos Geradores de Tráfego e a aplicação das devidas mitigações, os shoppings são grandes geradores de caos no trânsito da metrópole paulistana, especialmente quando inseridos no centro expandido, cujo sistema viário se encontra fortemente saturado. A questão então não é proibir os shoppings centers, mas condicionar seu porte aos lotes com dimensão de uma quadra (ou 20.000m²). Afinal, já não seria suficiente um shopping center com quase 195.122m² de área construída total, localizado numa ZEU, considerando as áreas construídas computáveis e não computáveis, ou um shopping com quase 97.560m² de área construída total localizado em ZM ou ZC?

No caso da dispensa do parcelamento do solo e da consequente destinação de áreas públicas, ao invés de se obter 30% de ganhos em áreas verdes e áreas institucionais nos lotes com área superior a 20.000m² e 40% de ganhos de áreas verdes, áreas institucionais e sistema viário nos lotes com área superior a 40.000m², teremos a volta de grandes empreendimentos murados, fechados para a cidade, sendo que os espaços que seriam criados para serem públicos e para usufruto dos cidadãos, voltarão a ser privados e fechados aos moradores e usuários dos empreendimentos.

Enfim, é uma medida com forte potencial para aumentar o impacto no sistema viário, intensificar o trânsito, reduzir a geração de espaços públicos, concentrar empregos em áreas com forte oferta de empregos e fomentar um modelo segregado de ocupação urbana, que impacta na segurança.

  • Permissão de HIS em ZEPAM

O parágrafo segundo do artigo 60 da Lei Municipal n° 16.050/14 (PDE) previu que em ZEPAM e unidades de conservação ambiental, o licenciamento de EHIS, EHMP, HIS e HMP deve atender parecer dos órgãos técnicos competentes, no que se refere às questões ambientais e culturais. Importante lembrar que em 2014 vigia o zoneamento definido na Lei Municipal n° 13.885/04.

Por sua vez, na Lei Municipal n° 16.402/16, o Quadro 4 passou a não permitir EHIS e EHMP em ZEPAM, o que foi retificado pelo atual Decreto Municipal n° 59.885/20, que estabelece disciplina específica de parcelamento, uso e ocupação do solo, para HIS, HMP, EHIS, EHMP e EZEIS. Reforçando: não é permitido atualmente empreendimento habitacional em ZEPAM e de fato tal proibição deve persistir pelos argumentos a seguir descritos.

Todo núcleo urbano ocupado por famílias de baixa renda que exercem tal ocupação para fins de assegurar o direito à moradia tem sido demarcada como ZEIS-1 desde o Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002. Quando inseridas nas áreas centrais, foram demarcadas como ZEIS-3. Isso se deu na formulação do PDE em 2002, na revisão do zoneamento em 2004, na revisão do PDE em 2014 e na revisão do zoneamento em 2016: toda favela, loteamento irregular, cortiço e demais tipos de ocupação por famílias de baixa renda foram reconhecidos pela regulação urbana como territórios que devem passar por um processo de regularização e urbanização integrada de modo a se alcançar a moradia adequada.

Em todos esses casos, a demarcação das ZEIS foi realizada com base em estudos técnicos feitos pelas equipes técnicas da prefeitura, em especial das Secretarias Municipais de Habitação, Desenvolvimento Urbano e do Verde e do Meio Ambiente. Na revisão do PDE 2023 teve-se a oportunidade de eventualmente ampliar a demarcação de ZEIS, mas isso não foi feito.

Importante lembrar que em 2017 foi aprovada a Lei Federal n° 13.465/17 que trata da regularização fundiária urbana, notadamente a regularização fundiária de interesse social. Por sua vez, a cidade de São Paulo aprovou sua Lei Municipal n° 17.734/22 que trata da regularização fundiária na esfera municipal. No caso da ZEPAM, a referida lei municipal permite a regularização de núcleos urbanos implantados antes de 22 de dezembro de 2016. Caso algum núcleo tenha sido formado após essa data, o mais adequado teria sido a Secretaria Municipal de Habitação em conjunto com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente examinarem a viabilidade e pertinência de sua demarcação como ZEIS, de modo a viabilizar sua regularização.

Na lei de zoneamento recém aprovada em 2023, o artigo 93 abriu a possibilidade de instalação de EHIS em ZEPAM, ZPDS, ZEP, enfim, em todas as zonas, exceto em ZCOR-1, ZPR e ZER. Tal permissão não se justifica pela finalidade de se promover a regularização fundiária de interesse social de núcleos urbanos, pois tal regularização não se faz somente pela implantação de EHIS. Como já comentado anteriormente, havendo núcleos novos a serem regularizados, caberia sua demarcação como ZEIS, precedida dos devidos estudos técnicos pelas equipes técnicas competentes. Assim, a liberação de EHIS em ZEPAM acaba gerando benefícios somente aos proprietários que compraram imóveis a preço de ZEPAM e vão vender a preço de EHIS, além de fomentar a degradação ambiental e dispersar ainda mais a ocupação urbana para a periferia da cidade, não se justificando como mecanismo voltado à regularização fundiária de interesse social.

  • Delegação para a Câmara Municipal deliberar o tombamento de imóveis e territórios

A lei aprovada previu nos artigos 89, 90 e 91 que “as propostas de tombamento de porções do território municipal que configurem alteração de parâmetros urbanísticos de matéria afeta ao código de edificações, legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo ou zoneamento, serão formuladas pelo CONPRESP e encaminhadas ao Executivo para serem consubstanciadas em projeto de lei a ser enviado à Câmara Municipal de São Paulo”. Tal proposição deve ter derivado de uma interpretação de que nas situações em que as propostas de tombamento apresentem considerável abrangência territorial, teriam efeito semelhante ao de mudança de parâmetros urbanísticos e por esta razão deveriam ser deliberadas pela Câmara Municipal.

Independentemente da dimensão jurídica dos questionamentos de tal proposta, importante resgatar que o município de São Paulo dispõe do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) criado em 1975 e do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP) criado em 1985. DPH e CONPRESP são instâncias responsáveis por examinar pedidos de tombamento, sendo o DPH auxiliar ao CONPRESP.

O CONPRESP é composto por 9 membros titulares e 8 suplentes, sendo que 3 deles são representantes de entidades (CREA, IAB e OAB), 5 são representantes da prefeitura e 1 é representante da Câmara Municipal (coincidentemente o relator da revisão do zoneamento em 2023).

A lei recém aprovada retira o poder de deliberação sobre tombamento pelo CONPRESP, fazendo com que as propostas de tombamento sejam enviadas para deliberação da Câmara Municipal. É nítido que tal medida reduz a qualidade técnica da análise dos pedidos de tombamento e politiza o processo de tombamento, tornando-o mais moroso, burocrático e sujeito à interferência de interesses difusos e alheios aos interesses primordiais de preservação dos valores cultural, histórico, artístico, arquitetônico, documental, bibliográfico, paleográfico, urbanístico, museográfico, toponímico, ecológico e hídrico de bens culturais e naturais, públicos e privados.

  • Demais alterações que foram introduzidas no segundo substitutivo, que geram impacto no desenvolvimento urbano e que deveriam ter sido mais debatidas e justificadas por estudos técnicos:
    1. Ativação de índices e parâmetros de ZEU e ZEM exclusivamente para os lotes definidos como ZEUP e ZEMP no Corredor Norte-Sul, com pagamento de contrapartida financeira através de depósito no FUNDURB de 20% do valor da outorga devida da área total do terreno (parágrafos 5° e 6° do artigo 4° da lei aprovada).
    2. Descaracterização do conceito de ZEM e ativação de parâmetros de ZEM em ZEMP sem que haja implementação da melhoria de transporte público coletivo (artigo 15 da lei aprovada).
    3. Eliminação da prevalência das restrições convencionais de loteamento em ZCOR-1, ZCOR-2 e ZCOR-3 (artigo 31 da lei aprovada).
    4. Exigência de atendimento da largura da calçada de 5m em lotes com área de terrenos superior a 2.500m² em todas as zonas (artigo 37 da lei aprovada).
    5. Alteração de regras relacionadas a parâmetros de ocupação e usos em zonas corredores – ZCOR sem o devido debate com todos os envolvidos e sem estudos técnicos de suas implicações nas restrições convencionais de loteamento e disposições de tombamento (artigos 52, 53, 72, 73 e 94 e das letras “n” e “o” do Quadro 3 da lei aprovada).
    6. Alteração de parâmetros urbanísticos em situações de implementação de infraestruturas, especialmente sistema viário e de transporte, afetando bairros tombados e a morfologia existente na cidade (artigo 59 da lei aprovada).
    7. Consolidação do mapa com demarcação de zonas feitas sem validação da equipe técnica da SMUL responsável pelo Geosampa, havendo inclusive diferenças entre os arquivos georreferenciados e os mapas divulgados no site da Câmara Municipal. E ainda, existem divergências e incompletudes entre texto e mapa, especialmente no que se refere ao parágrafo 5° do artigo 4° da lei aprovada e o mapa publicado.

Por fim, cabe ponderar que a lei aprovada apresenta diversos outros problemas de conteúdo, que embora sejam questionáveis quanto à efetiva melhoria que proporcionam ao desenvolvimento urbano municipal em consonância com a política urbana municipal, não foram elencados nesta nota técnica. Além disso, é notória a imperícia na redação do texto da lei aprovada, que certamente vai gerar dúvidas de interpretação e irá requerer regulamentação pelo Executivo para sua efetiva aplicação. Diante disso, o pedido de veto restrito a determinados dispositivos não significa concordância com os demais aspectos não vetados no texto.

Considerando os problemas apontados e a indubitável insuficiência do processo participativo adotado após a publicação do segundo substitutivo, de modo a possibilitar um efetivo debate qualificado e com estudos técnicos que assegurem o interesse público das alterações feitas, solicita-se o veto dos seguintes dispositivos: os parágrafos 5° e 6° do artigo 4°, os artigos 10, 15, 25, 26, 28, 29, 31, 32, 52, 53, 59, 72, 73, 89, 90, 91 e 93, inciso I do artigo 94, as letras “n” e “o” do Quadro 3 e o Mapa 1 anexo, sendo flagrante a nulidade aplicável nos referidos dispositivos e de um modo geral o teor integral do segundo substitutivo.

[1] Conceito desenvolvido pelo urbanista Carlos Moreno e implementado em Paris na gestão da prefeita Anne Hidalgo.